segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Com Os Pés Pra Fora

Ouviu o barulho da porta e fingiu que estava dormindo.
Viu apenas o vulto do marido passando por entre a porta do corredor e entrando no banheiro.
Esperou, incansávelmente, 20 minutos, contados no compasso de um tempo psicológico, escatológico.

Ouviu a porta do banheiro abrir.
Colocou as mãos sobre os olhos, fingindo se importar com a claridade.
Na verdade, até que se importava, pois sua alma, naquele momento, era só escuridão.
Trevas que fogem da luz, assim como o diabo foge da cruz.

Mesmo vivendo aqueles longos minutos, em que seu marido se preparava para deitar, sem enxergar nada dentro de si, só queria que as luzes se apagassem, levando pra longe suas memórias hediondas, seu dolo. Queria ser pega no colo e adormecer naquele momento, assim como adormecera sem peso ou empecilho algum há poucas horas atrás, na cama de um estranho que conhecera no bar.
Não conseguia expulsar para fora de seus poros, o suor alheio. Dentro de seu coração, já não pulsava nada além de um arrependimento doído. Era quase possível ouví-lo parar de bater.

Quando as luzes, finalmente se apagaram, sua vergonha perdeu-se por entre a escuridão e,
buscando uma falsa segurança, refugiou-se para dentro dos lençóis, cobrindo seu corpo todo, fingindo estar passando por um portal que a levaria para algum outro local bem longe dali.

Esqueceu-se de que, nas presentes circunstâncias, nem mesmo um lençol que cobrisse toda sua alma, nem mesmo um lençol feito sob medida para limpar toda a sujeira que se depositava por cima do colchão, seria capaz de aliviar o medo que circulava por entre suas veias.
Pois quando a mentira deita e adormece conosco, seus pés sempre ficam pra fora.

2 comentários:

  1. Olá André!

    De muita sensibilidade este poema. Poderia me contar o processo de criação? Fiquei curioso para saber como um homem pode escrever esta poesia.

    Abraço,

    Pedro Paulo

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  2. às vezes penso que pode ser só isso, arrependimento de algo que não se pode deixar passar; mas não acredito de verdade...

    será mesmo, sempre, só isso, que faz com que as pessoas façam tantas coisas, independente do que se é contruído?

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