terça-feira, 28 de julho de 2009

Um Assassino Chamado Passado

Retirou da caixa a última bala que lhe restava. Com um ar de inquietude, recolheu do chão a coragem e a disposição que há tempos se atiravam para longe. Mal tinha força para abrir o tambor da arma que comprara semana passada. Suas mãos tremiam no compasso de uma canção saudosista, de despedida, cujo tema seria a dança de suas memórias póstumas, que movidas por um ideal de independência, circulariam pelo pequeno e úmido cômodo a partir do momento em que fossem violentamente jogadas contra a parede.
Por alguns segundos, pensou que pudesse aguentar o peso do passado, mesmo que isso tivesse o peso do mundo, somado ao peso do fracasso.
Estava enganado. Já não podia mais fugir, não podia mais se esconder. Sempre que refugiava-se no menor canto que fosse, deparava-se com suas implacáveis memórias, que tinham força o bastante para parar seu coração em um súbito segundo. Agonia. O peso de um suspiro minava seus pulmões, regava suas veias com o mais puro veneno do passado.
Era isso, estava decidido. Não se via apto a dar nem mais um passo rumo ao futuro, pois estava convicto de que sua vida havia se aposentado no passado, havia entregue o jogo para o pretérito, que, de tão imperfeito, transbordava o presente e alagava, em uma cheia enfurecida, o futuro que, agora manchado de memórias, perdeu seu motivo de ser.
A cada centímetro que a arma subia em direção à sua cabeça, sentia-se mais perto da redenção, mais perto de suturar aquele corte que não podia se fechar em vida. Posicionou cuidadosamente o cano em sua têmpora, e, sem demora, findou o sofrimento e a amargura que foram, durante anos, seu castigo diário.
Por um buraco de algumas polegadas de diâmetro, o produto de um passado doloroso estampou, acompanhado de um estrondo de libertação, nas paredes do pequeno quarto de um motel à beira da estrada, a morte de alguém que sentiu até a última célula do corpo que as lembranças não perecem, a morte de alguém que matou a si mesmo para livrar-se do ônus de uma vida que não aguentou viver.
Agora, com uma melodia suave, o vento assobia o paradoxo da vida e da morte e conduz as lembranças numa dança mórbida, que preenche o quarto com a certeza e constatação de que, às vezes, o passado veste-se de presente e anula o futuro. Munido apenas de uma bala.

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